Esse diálogo entre Carlos Castañeda e D. Juan, na
obra "A Erva do Diabo" - ESCOLHAS
Segunda-feira, 28 de janeiro de
1963
- .... Há um meio especial de se evitar o sofrimento?
- Sim, há um
Meio.
- É uma fórmula, um processo, ou o quê?
- É um modo de se agarrar as
coisas. Por exemplo, quando eu estava aprendendo a respeito da erva-do-diabo,
era por demais ansioso. Agarrava as coisas assim como as crianças agarram bala.
A erva-do-diabo é apenas um entre um milhão de caminhos. Tudo é um entre um
milhão de caminhos (un camino entre cantidades de caminos). Portanto,
você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se
achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma
circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida
disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho,
e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu
coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo
deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho,
e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois,
pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos
fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu
sangue era forte demais para poder entendê-la. Agora eu a entendo.
Dir-lhe-ei
qual é: esse caminho tem coração? Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem
a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em
minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em
lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho
tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os
caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna
a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará
maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o
enfraquece.